quinta-feira, 30 de julho de 2015

Limpo como nunca

Perdi-me em palavras
Na saudade nunca esquecida
Na arma nunca desaparecida
Na boca jamais esclarecida.

Ficar acordado ao fim-de-semana
A dormir na beira da cama
Todo este drama
Nunca quebrei esta chama.

Não esqueces o perdido
Já não me reconheço no espelho
Comportei-me como um fedelho
Quando tudo o que precisei foi de um conselho.

Sou o Eduardo Coreixo
Aquele que já não sabe ser
Deixei tudo aquilo que nunca deixaria de ter
A paz perdida que se deixou escurecer.

sábado, 28 de março de 2015

Hilf Mir


Já sou crescido.
Não preciso de ajuda.
Lamentem ter nascido,
não há quem vos acuda.

De mãos dadas
em direcção ao bosque,
ela não percebe nada
é um quadro do Bosch.

Já sou crescido.
Não preciso de ajuda.
Lamentem ter nascido,
não há quem vos acuda.

Vamos comer amoras,
tudo está planeado.
Um passeio como adoras
até eu ficar cansado.

Já sou crescido.
Não preciso de ajuda.
Lamentem ter nascido,
não há quem vos acuda.

Tenho um fósforo para a fogueira
e gasolina no carro.
corda para a cadeira,
para atá-la a um chaparro.

Já sou crescido.
Não preciso de ajuda.
Lamentem ter nascido,
não há quem vos acuda.

Solto um sorriso satisfeito
e ela pavoneia-se como uma diva.
E no momento perfeito,
eu queimo-a viva.

sábado, 21 de março de 2015

Passas a vida no escritório
a fazer escrita de supositório
levas a alpista pó refeitório
e recebes guita de peditório

enjaulado entre paredes
olhado de lado entre parentes
és só um dado entre parêntesis


Passas a vida no escritório
a fazer escrita de supositório
levas a alpista pó refeitório
e recebes guita de peditório

enjaulado entre paredes
olhado de lado entre parentes
és só um dado entre parêntesis


Passas a vida no escritório
a fazer escrita de supositório
levas a alpista pó refeitório
e recebes guita de peditório

enjaulado entre paredes
olhado de lado entre parentes
és só um dado entre parêntesis


Passas a vida no escritório
a fazer escrita de supositório
levas a alpista pó refeitório
e recebes guita de peditório

enjaulado entre paredes
olhado de lado entre parentes
és só um dado entre parêntesis


Passas a vida no escritório
a fazer escrita de supositório
levas a alpista pó refeitório
e recebes guita de peditório

enjaulado entre paredes
olhado de lado entre parentes
és só um dado entre parêntesis


Passas a vida no escritório
a fazer escrita de supositório
levas a alpista pó refeitório
e recebes guita de peditório

enjaulado entre paredes
olhado de lado entre parentes
és só um dado entre parêntesis

Os Velhos Também Querem Viver [sublinhado]. As Crónicas de Nada.

Uma vida vale muito. Uma vida vale pouco. Uma vida 'vale o que vale'. A minha não vale mais que a tua. 1 = 1. Excepto se eu tiver um acordo com os Deuses. Um acordo para não morrer. Se tu não tiveres nada, se fores só um velho que quer viver, aí 1>1.
Se um velho quer viver e um jovem lhe pede sacrifício, o status quo anula-se. Se o estado precisa de agilizar o orçamento, o status quo anula-se. Se o jovem é cobarde, o status quo anula-se? (Que morresse! Que deixasse a mulher em paz e o pai viver!).
Qual é o ponto em que estabelecemos - egoístas - que um velho já viveu demais? Os Velhos Também Querem Viver!

terça-feira, 17 de março de 2015

As Crónicas de Nada

Estão dois casais sentados numa paragem de autocarro e é crepúsculo. Um casal prepara-se para um dia de trabalho. O outro vem de uma afterparty. Para uns cedo, para outros é já tarde. Olham-se de lado... Quem invade o espaço de quem?
O elemento do sexo masculino do casal que vai iniciar um novo dia sorri, ela fecha a cara. O inverso acontece com os elementos do outro casal. A quem pertence aquele nano-segundo?
São de reinos distintos, os habitantes daquela fronteira entre noite e dia. Estala a guerra... Escuridão antes do amanhecer.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Tu mesma

Acordo sem poder te olhar nos olhos e dizer o que sinto.
Não tenho a esperança gasta nem a carteira vazia
Nem as costas lesadas com o peso do passado
Quanto menos a bondade que tenho perdida.
Continuo a acordar sem te poder dizer o que sinto
Porque estás profanada pelo cinismo e pela descrença
Estás viciada na tua razão de ser e infinita verdade sociológica.
As virtudes que tinhas ainda as tens, a alma que tinhas ainda possuis.
Não perdeste as lágrimas de desespero, o choro por uma vida mais feliz
A não resposta de um futuro promissor.

Fecho os olhos para ganhar coragem e te dizer o que sinto
Mas os meus ouvidos ouvem o teu murmúrio de piedade
E calo então o meu coração e escondo a minha vontade.

Não há resposta para a tua posição
Para a tua maneira de ser
Para o amor
Para a dor
Para a perdição.

Não te vou largar nem que se quebrem as ondas da minha vontade.
Serei a tua gota de orvalho em dia húmido
A tua perseverança no funeral
A tua seriedade laboral.

Eduardo Coreixo

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Filmes

Quando eu me achar num filme de terror espero, pelo menos, morrer in media res. Odeio a ideia de morrer sem saber. Quando os fantasmas me vierem perseguir, ou o monstro me tentar esventrar, saberei - mais ou menos - porque o faz.

Quem opta por morrer cedo na acção, vai mais descansado: não se cansa a fugir, não se cansa na moleirinha por ter de tomar setenta e quatro mil decisões, todas de extrema importância.

Não obstante, caso não seja sobrevivente, morrerei não ignorante e feliz...

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Desavença (Happy endings to exist)

Penso de forma diferente de ti.
Suspiros de forma suspeita e desconfiada
Alma desprovida de carácter e principios
Caminhar despromovido de saltos altos e poder.
                (Eu odeio-te sabias?)

Vou sair destes caminhos trilhados por mares de outra época
Areias perdidas por pegadas de um Espanhol que não triunfou
Esta Valência perdida de amor e saudade. Saudade. Saudade.
(Saudade que és tu unicamente portuguesa, que fazes tu aqui?)
Não me magoas ao chorar. Até ao fim não te irei perdoar.

Esta estrada já terminou para mim. São teclas de piano já usadas à muito.
Quero conhecer o teu outro alguém - esse teu lado menos obscuro
Essa tua aura mais clara. És moça triunfadora, mas não me tentas.
Não complico o complicado, clarifico o que outrora foi descolorido
(Lembras-te das horas tão sombrias como a tua alma?)
Deste-te mal. É a mágoa.

Este não é o teu poema, isto não é um poema
É uma narrativa com mais que demasiados parágrafos
É o simbologismo do que me criaste:
Horas longas felizes, com páragrafos de sofrimento
Que narram o nosso sofrimento e desdém,
Mas que acabam sempre de sorriso na cara, de covinha na bochecha.
(Amo-te desde sempre, sorrio e choro desde sempre, estou contigo para sempre.)

Esta é uma hora feliz. Uma história feliz e real. Não digo não à minha vida. Olho com os meus olhos arrependidos de tempo passado, de satisfação real, de ambição desmedida.

Eduardo Coreixo

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A brigada


A brigada obrigada a agarrar os seus.
Abrigada da obra e graça de agradar aos teus.
Agnósticos com gnose, no limite: ateus
com diagnósticos da hipnose que imita deus.
Quatro cabeças às avessas divergem de opinião;
teatro de peças complexas: divertem a multidão.
Com um abraço apertado me manifesto absorto
como um braço apartado do resto do corpo.
E com uns olhares apenas lhes digo tudo.
Comum olhares para as cenas sem ir ao fundo.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Para vocês


Digo coisas menos boas a pessoas mesmo boas e magoo-as sem motivo
Quando há outras que eu dou coro e nem sequer é preciso
A humildade nasce contigo e eu obtive numa idade
Em que eu precisava de ter moral para me manter motivado
E via outros ao meu lado a ter mais sucesso do que eu tinha
E invejava o que eles tinham quando a culpa era minha
Eu não podia ser humilde sem ter conquistado nada

Porque a minha humildade é não precisar de nada
E precisava de uma oportunidade para poder mostrar trabalho
A oportunidade não chegava e eu não fazia um caralh*
Então eu decidi voltar a ser convencido
Porque eu sempre me convenci sem nunca ter mentido
Voltei a olhar para quem achava que estava acima de mim
Arrependi-me de tudo o que eu pensava e de todo o coro que eu vendi
Confundi inveja com admiração, perdi motivação
E a dedicação foi em vão, não tinha direcção
Tentei meter-me em lugares onde eu não pertencia
E sentia os olhares de quem não me curtia
Também dali não saía, agora percebo que errei
Acabei por arranjar merda em todos os lugares que eu passei
Fiquei a dever um pedido de desculpa às pessoas que eu gosto
Por me ter metido com quem não curto, quem não curte o que mostro
Esta é para vocês do fundo do meu coração
Para que me mantenham focado
Vocês sabem quem são

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Miopia


Eu dantes não via. Olhava cego para quem queria e o pior era à noite
Não reconhecia a maioria das pessoas que me cumprimentavam
Acenava a todos, só parava das dez às oito
É aí que uma pessoa desconfia e leva a peito
Confiava no que sentia, queria mais e não podia mas não temia
Andava cego e sem folia mas prosseguia
Procedia como se fosse dia com trissomia
Assumia como quem assobia e consumia
Tudo o que não via também não queria, era a vantagem
Não se definia, sentia que era miragem
Até que um dia abri os olhos e vi claramente
O que não queria ter que me aperceber
Desde esse dia que eu mudei o que sentia
Pelas coisas que eu não queria ver

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

As Crónicas de Nada




Olá. Eu sou um senhor que adquiriu um produto muito bom que é: comprei uma pessoa para saber tudo por mim. Aquilo dá muito jeito porque a gente anda com a pessoa atrás e ela vai sabendo por nós. Ah, esqueci-me da lista das compras! Não faz mal, a pessoa que sabe tudo por mim diz-me. Ah, não sei quem ganhou ontem. Não faz mal, a pessoa que sabe tudo por mim diz-me que foi o Benfica. Ah, não sei quem é o primeiro-ministro português. Não faz mal, porque ninguém sabe. Mas entre o Gaspar, o Relvas ou a Merkel, um deles há-de ser.

É uma máquina infernalmente útil de se ter por perto. Como seria de esperar, não há em versão de político, fanático ou loura, porque ninguém quer um produto destes que não diga a verdade, que a distorça ou que não funcione de todo.

E quando se faz um investimento destes há que escolher bem a gama, porque uma aquisição assim tem custos. E eu aí cometi um erro uma vez que escolhi uma pessoa de gama feminina e essas são as que gastam mais. Depois há outra coisa com a qual não estou contente: a minha máquina liga-se sozinha. Por exemplo, quando vou a conduzir aquilo liga-se e começa: Cuidado! Olha o stop! Ainda está vermelho! Etc. De maneiras que acho que se calhar aquilo tem defeito.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

TextMaster lança versão portuguesa do seu mercado de conteúdo.


O TextMaster lança hoje, em Portugal, a primeira solução de crowdsourcing para traduzir, redigir ou rever qualquer tipo de documento comercial, marketing, educativo ou técnico.
Após o lançamento oficial em Inglês, Francês, Espanhol e Alemão, 36,000 autores registados e 16 milhões de palavras escritas, o TextMaster lança hoje a sua versão em português. O mercado permite que autores e tradutores qualificados ganhem dinheiro ao redigir, traduzir e rever qualquer tipo de documento. Desta forma, damos aos nossos clientes a garantia de um serviço de alta qualidade a um preço bastante acessível para todos os seus textos.

Uma plataforma inteligente para cada tipo de projeto.
O TextMaster foi criado para ir de encontro às necessidades dos mais variados utilizadores. Graças às funções da plataforma, é possível solicitar qualquer tipo de documento, desde pequenos a grandes projetos. Os principais clientes do TextMaster são as pequenas e médias empresas, com necessidades que vão desde a tradução de folhetos, catálogos, redação de artigos, revisão de uma newsletter, mas também servimos grandes empresas com projetos que contêm milhões de palavras para traduzir em vários idiomas. O TextMaster criou um sistema tecnológico que integra textos de forma fácil e rapidamente escritos ou traduzidos pela API, poupando assim bastante tempo. Desta forma, os clientes também economizam, sendo que os preços começam em 0,01€ por palavra.

Uma maneira prática de ganhar dinheiro.
Qualquer um pode se candidatar ao cargo de tradutor, redator ou revisor. Todas as submissões serão profissionalmente moderadas e, assim que forem aprovadas, o autor receberá tarefas de acordo com o seu perfil e as suas capacidades linguísticas. Este pode ganhar até 0.112€ por palavra, dependendo das suas capacidades e perseverança. Quantas mais palavras o autor escrever, maior será a sua compensação monetária.

Conteúdo de alta qualidade.
"Conteúdo de alta qualidade é a chave! Tudo no TextMaster foi cuidadosamente planeado de forma a assegurar um nível de alta qualidade no conteúdo escrito pelos nossos autores” – afirma B. Laurent, CEO do TextMaster. As submissões dos autores são examinadas uma a uma e os resultados são divididos em três níveis de qualidade (desde “Bom” a “Excelente”). Estes podem alterar-se com o tempo, dependendo do feedback do cliente. Foi criada uma interface intuitiva para facilitar a comunicação e revisões entre os clientes e os autores. Para além disto, um moderador pode intervir sempre que for necessário, de forma a avaliar a qualidade do conteúdo.

Sobre o TextMaster.
O TextMaster é um mercado de conteúdo dedicado a serviços de tradução, revisão e redação. Com o objetivo de oferecer um serviço de alta qualidade, esta plataforma permite que PME e grandes multinacionais possam solicitar, de forma simples, o serviço desejado. A partir do momento em que os autores passam na prova de avaliação podem ganhar dinheiro realizando tarefas, tendo em conta o seu nível e as suas competências.
Em apenas 13 meses, foram escritas 16 milhões de palavras por 36,000 escritores, tradutores e editores. O TextMaster está disponível em 8 idiomas e encontra-se presente em França, Espanha, Alemanha, EUA, Itália, Bélgica, Hong Kong, Brasil e Portugal.

Site: pt.textmaster.com

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Eu sei


Eu sei que há coisas que envolvem esforço e outras que surgem naturalmente. Também sei que às vezes por mais que nos esforcemos simplesmente não temos capacidade para alcançar o nosso objectivo e outras vezes o objectivo é alcançável e não temos capacidade para nos esforçar. Sei que o que serve para uns não serve para outros e sei que muitas vezes até tem o efeito contrário. Sei que às vezes sei tudo e outras vezes não sei nada. Sei que em ambas as situações me estou a enganar mas que não estou completamente errado. Sei que duas pessoas podem ter razão mesmo tendo opiniões contrárias. Sei que temos que compreender o lado do outro e explicar o nosso. Sei que é difícil e ao mesmo tempo tão fácil. Sei que há equilíbrio. Sei que o equilíbrio não é eterno e que procede o desequilíbrio. Sei que estou a analisar situações complexas. Sei que no fundo são situações bastante simples e só se tornam complexas quando são analisadas. Sei que temos que saber analisar estas situações e que temos que saber resolvê-las de forma simples. Sei que vou morrer. Sei que pode acontecer a qualquer momento. Sei que a forma como vivo pode influenciar a minha morte e que este dado adquirido pode influenciar a minha vida. Sei que umas vezes vou estar feliz e outras vezes triste, outras eufórico e outras deprimido. Sei que não tenho que pensar muito sobre isto. Sei que há pessoas que têm. Sei que tudo é relativo e que temos que generalizar. Sei que a vida é isto, um constante vai-e-vem de emoções e pensamentos que não nos deixa ter certezas mas que nos obriga a tal. Sei que isto pode ser bom e que pode ser mau. Sei que isto às vezes é claro e outras vezes não. Sei que me vou queixar e me arrepender de me ter queixado, assim como me vou calar e me arrepender de não ter dito nada. Sei que vou estar certo e que vou estar errado. Sei que o vou conseguir distinguir claramente e sei que posso ter a percepção errada. Sei que outras vezes não vou conseguir distinguir podendo ter a percepção correcta. Sei que às vezes é bom saber e outras vezes mais vale ser ignorante. Sei que hoje sei isto tudo.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Marcas. (As Crónicas de Nada).


Também sou dinheiro. Faz(-me) circular o sangue fora das veias. Olham para mim, inquisidores. Têm problemas, como eu. Cantam as suas dificuldades, apenas nas suas cabeças sem rumo. Gritam-nas, em coro com gritos meus, enquanto se acabrunham de cara e diminuem de tamanho suplicando, silenciosamente, "não me bata". Não lhes bato, não me batem: permanecemos num acordo de sorrisos amarelos infindável. Tudo é cinzento nas suas caras. Quem tem mais medo de quem? Todos de todos. Aprendem a ser reprimidos, como eu já sei, como eu aprendi. O Mercado não tem medo. Também somos dinheiro.

No Verão, sairão do purgatório. No Verão, sairão do orfanato. No Verão, sairão da ala psiquiátrica. No Verão, terão uma tatuagem no braço com o Mercado mascarado de mim. A tatuagem que apregoam é falsa porque todos falhámos.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Manuel Laranjeira e a visão trágica do mundo



Em Outubro de 1908, Manuel Laranjeira, em carta dirigida a Miguel de Unamuno, declara que
O pessimismo suicida de Antero de Quental, de Soares dos Reis, de Camilo, mesmo do próprio Alexandre Herculano (que se suicidou pelo isolamento como os monges) não são flores negras e artificiais de decadentismo literário. Essas estranhas figuras de trágica desesperação irrompem espontaneamente, como árvores envenenadas, do seio da Terra Portuguesa. São nossas: são portuguesas: pagaram por todos: expiaram a desgraça de todos nós. Dir-se-ia que foi toda uma raça que se suicidou,

acrescentando mais adiante: “Crer...! Em Portugal, a única crença ainda digna de respeito é a crença — na morte libertadora”
A morte como liberdade é um tema de cariz romântico mas, mais do que isso, de grande pendor trágico; e este aparece na esperança de “vida-na-morte”, bem como na própria representação da vida. Assim, aliando as duas concepções, que pensamos estarem presentes nas obras de Manuel Laranjeira, pretendemos analisar como se corporiza na escrita de um diário — o Diário Íntimo — a construção do próprio sujeito que escreve de si, construção essa que nos parece ser trágica, não só no confronto do eu consigo mesmo, assim como com os outros, a sociedade, e com Augusta, figura a quem o autor dá um grande relevo.
Sobre Miguel de Unamuno, Manuel Laranjeira escreve, no dia 16 de Agosto de 1908: “Querer crer e não poder crer, desejar ter fé e não poder sufocar a dúvida… — eis a tragédia”. Tendo em conta a definição de tragédia dada nesta frase por Laranjeira, parece-nos claro que esta se adapta à sua própria vida. Ele deseja crer em si embora não possa, pois não consegue não duvidar de si (ou dos outros, uma vez que ele é superior?); ele quer acreditar na sua relação com Augusta mas não consegue; ele não pode crer na inexistência de Deus mas, paralelamente, não consegue acreditar nele. E a impossibilidade de crer torna-se trágica pela oposição entre querer e poder.
Tendo em Camilo Castelo Branco, Antero de Quental e Soares dos Reis paradigmas do suicídio como forma de viver a vida na morte, nota-se em Laranjeira um apelo à aniquilação para se libertar da vida, que o entedia e horroriza.
            O afastamento de Manuel Laranjeira do vulgo, concretizando um sentimento de superioridade, toma imediatamente forma na primeira entrada do seu diário, a propósito da representação de um excerto do ...Amanhã, texto dramático de sua autoria:
Não vou. Não suporto o público quando pateia e muito menos quando aplaude. Haja ou não haja quem me admire — adiante, je m'en fous. Que eu tenha de sofrer-lhes a admiração — isto é que é intolerável.

Acrescentando, um pouco mais à frente: “Tolerar o público seria colocar-me abaixo de mim mesmo, abaixo do que eu penso de mim mesmo”.
A construção que de si faz como um eu superior ao que o rodeia remete para o sentimento de solidão. Na verdade, em diversos momentos da escrita do diário, Manuel Laranjeira exprime a sua preferência por estar só: “A mim também me agrada mais a solidão, mas a solidão sem ninguém a acompanhar-nos”. Esta afirmação acontece num momento de meditação, de questionação sobre o passado — subentendido em “Aquele «grande amor»”, uma vez que as aspas sugerem que foi um grande amor mas já não é — e o presente — visível nas formas verbais “Não estou”, “parece” e “me agrada”. Esta entrada do diário ganha ainda especial importância ao termos em conta a oração adversativa “mas a solidão sem ninguém a acompanhar-nos”. Com efeito, Manuel Laranjeira salienta a diferença entre a solidão (ontológica) no meio da turba ou quando está com Augusta e se sente sozinho, da solidão (ontológica) de facto, “sem ninguém a acompanhar-nos”. O plural do verbo “acompanhar” remete para o seu sujeito composto que, subentendemos, é ele e a solidão. Este momento de reflexão corporiza uma suspensão no tempo, uma paragem para depois, muitas vezes na entrada seguinte, retornar à acção. Com efeito, é mais abundante o tempo de reflexão nas entradas do diário do que tempo de acção.
         Este tempo de reflexão propicia ao autor fazer o balanço do dia que acaba ou um exame de consciência, que são próprios deste género autobiográfico. E é ao fazê-lo que encontramos um sujeito trágico em confronto com três pólos: Deus, o mundo e Augusta.
António Apolinário Lourenço, sobre a relação de Manuel Laranjeira com Deus, informa: “era, em matéria de fé, um descrente que não se conformava com a inexistência de Deus”. Acrescentamos apenas que nesta simultaneidade entre descrença em Deus e descrença na sua inexistência reside um dos aspectos trágicos de Laranjeira[1]. Contudo, esta mesma abdicação de Deus por Laranjeira é relacionável com a centralização do diário no sujeito.
O outro pólo mencionado que se confronta com o sujeito do diário é o mundo. Em relação a este, é visível um claro desprezo e até mesmo ódio por parte de Laranjeira, pois aquilo que quer, aquilo em que acredita não se coaduna com o mundo — “Decididamente o mundo pode afundar-se em ruínas que não me causa mágoa nenhuma” —, residindo nesta oposição o trágico do reconhecimento da sua impotência perante a sociedade decadente. Clara Rocha afirma que “O tédio [de Manuel Laranjeira] resulta do confronto entre a busca da perfeição e a fealdade do mundo”. Mais do que o tédio, parece-nos que é desse confronto que nasce o trágico presente no Diário Íntimo e que resulta no suicídio do seu autor — “Laranjeira escolheu nele [no suicídio] o repouso para o seu cansaço”.
         No que diz respeito a Augusta, é talvez possível discernir dois tipos de trágico. Por um lado, a tentativa de acreditar naquele amor, mas, inevitavelmente, duvidar. Exemplos disto são a reflexão feita pelo sujeito: “há quem nasça para duvidar... Eu, por exemplo...”; e a súplica feita por Augusta: “— Porque o que eu queria era que cresses em mim também, que cresses — no amor. Crê no amor: o amor existe. Crê”. Por outro, vemos um complexo conflito trágico: se, por um lado, é junto dela que pensa ter alguma felicidade, ainda que mínima, apenas sem ela consegue ter a liberdade que tanto deseja. Assim, o confronto entre felicidade e liberdade, uma vez que ambas não se podem conciliar e uma aniquila a outra, irremediavelmente, é um conflito trágico. Este conflito de que falamos está visivelmente presente na entrada do dia 19 de Setembro:
Saio com uma alegria feroz a estoirar-me na alma — a alegria doida de um homem que acabasse de perder quanto tinha. Enfim! livre e só! e só! — desgraçado. Esta liberdade suprema custou-me a felicidade... Por isso é horrivelmente saborosa. Saio, vagueio à toa, como alguém que não sabe o que há-de fazer de tanta felicidade. Ao cruzar uma rua, sinto-me agarrado pela Augusta trémula, perdida... — Vem comigo. Depressa! senão caio morta na rua. — E eu, sem uma palavra, vou. Adeus, liberdade, estou preso outra vez... (itálico nosso)

Os sintagmas “alegria feroz” e “[liberdade] horrivelmente saborosa” evidenciam a simultaneidade dos sentimentos contrários que um conflito trágico propicia; também a “alegria doida de um homem que acabasse de perder quanto tinha” demonstra a antítese de sentimentos provocada pelo confronto entre liberdade (“alegria doida”) e felicidade (“perder tudo quanto tinha”). Para a caracterização do referido conflito, encontramos também a repetição de “e só!”, seguida de “desgraçado”, parecendo, com isto, dar à copulativa “livre e só!” um valor adversativo (livre mas só!). Além disto, fica também espelhada a contradição entre a “alegria doida” de se ver livre e a desgraça de se ver só. Contudo a frase que melhor corporiza o conflito trágico que reside no sujeito é aquela em que este diz: “Esta liberdade suprema custou-me a felicidade...”, tendo as reticências a função de suspensão no pensamento para reflectir sobre si. No entanto, a liberdade de novo desaparece, pois o sujeito, “sem uma palavra”, dela se despede para se entregar à suposta felicidade materializada em Augusta. Importa dizer que a felicidade de que o eu fala quando escreve “vagueio à toa, como alguém que não sabe o que há-de fazer de tanta felicidade” não é a mesma que aquela outra em “Esta liberdade suprema custou-me a felicidade...”; esta remete para a felicidade com Augusta — um dos pólos do conflito trágico —, aquela para a felicidade que a liberdade lhe dá — não sendo então o outro pólo do conflito.
         Outro aspecto de bastante interesse na literatura diarística em geral e no Diário Íntimo de Manuel de Laranjeira em particular, pelo que de trágico e romântico contém, é a relação do autor com a morte. Em Manuel Laranjeira, o suicídio acaba por se concretizar realmente como solução única possível para viver a vida na morte, uma vez que viveu a morte na vida:
Nestas horas assim gris, sinto a sensação penosa de que a vida se me está gastando, esgotando, imbecilmente... — sem eu a viver. E sinto esta ideia de pesar que hei-de morrer sem ter sabido viver a vida... Afinal o mal da nossa vida é não saber vivê-la... ou não poder...

 Também nesta relação com a morte é verificável o problema da crença em Deus. De facto, “prescindir de Deus é fazer da morte o único absoluto”, como afirma Marcello Duarte Mathias.
         O suicídio de Manuel Laranjeira em 1912, apenas três anos após a suspensão do diário, é o culminar desta existência entediada e trágica. De facto, numa das últimas entradas do Diário Íntimo, Manuel Laranjeira pressente já a aproximação da morte: “E, como eu tenho tosse também, começo a pensar que morro e que esta tosse pertinaz é o começo do fim...”. Mas não é a tuberculose que o mata. Antes disso, Laranjeira decide pôr termo à sua vida, juntando-se então àqueles (Antero, Soares dos Reis, Camilo e Herculano) que “expiaram a desgraça de todos nós”.
No Diário Íntimo acompanhamos um tempo (não chega a um ano) da curta existência de Manuel Laranjeira que ilustra de modo significativo o caminho seguido até ao suicídio. Paralelamente, estamos perante uma escrita pouco cuidada, rápida, própria da literatura diarística. Contudo, esta mesma escrita torna-se complexa pela construção que o autor de si faz, pelo modo como trabalha o tempo, característica de grande importância na escrita de um diário.



[1] Factor de grande relevo é a grande ambição de Manuel Laranjeira, expressa não só no Diário Íntimo, como nos poemas “Comigo (Diálogo com a minha alma)” e “Blasfémia Inútil (À margem do “Génesis”)”, querer ser como Deus ou querer ser o Deus que não existe ou ainda maior que Deus. Sobre este assunto, Nuno Júdice afirma que “A ambição de ser Deus não é mais do que o sonho de ascender à categoria de Autor — aquele que domina o destino dos personagens”.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Gosto do cansaço

Sempre tive uma característica presente em todos os seres humanos que, talvez devido a uma vida comodista, me prejudicou mais do que beneficiou. O meu problema é simples: inércia leva ao prolongamento da mesma e trabalho leva a mais trabalho. Em palavras simples quanto menos faço menos quero fazer e quanto mais faço mais tenho que fazer. Isto torna-se perigoso a partir do momento em que admitimos que somos preguiçosos. Qualquer processo que envolva um esforço continuado torna-se inatingível devido à incapacidade em assumir conscientemente o seu objectivo, vão-se fazendo pequenos esforços como descargos de consciência, preferencialmente, no sentido da criação de um bode expiatório. É por isso que temos que assumir o nosso gosto pelo cansaço, por fazer contrariado, por conseguirmos controlar os nossos impulsos mais animalescos.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A mim também (ou As Crónicas de Nada)



Quando nasci, não o fiz por querer, nem estava cansado. Contrariaram-me, até, mais uns dias no primeiro berço de todos, por (segundo os senhores doutores) já estar atrasado. Lá vim ao mundo por meios cesarianos, no limiar do perigo de vida (segundo os senhores doutores), e fiz-me menino.

Daí à minha idade actual, foi-me sendo provado que quanto mais rápido melhor. Deviam dar-se prémios em vez de multas, a quem ultrapassa o limite de velocidade! Não há tempo para retomar o folego, antes de correr outra vez. Não há tempo para preguiças, nem tempo para fazer o que gostamos: não há oportunidades. Formatação inumana em seres humanos: somos robôs à espera de vencer o prazo de validade;
                                                                                             temos de viver tão depressa que a Terra é uma centrifugadora: “este mundo cansa-me”.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Este Mundo Cansa-me...



Agradecimentos: Soraia Dias, Sónia Gameiro, Cláudia Alves, Eduardo Rilhas, Miguel Ricardo, Jorge Ressureição, Restaurante Aquário, Carpintaria Luis Gameiro, Gonçalo Gameiro.

sábado, 5 de janeiro de 2013

B.I.

Ao que parece, ao nascermos já não nascemos selvagens. Pertencemos aos pais, aos enfermeiros e médicos, às visitas esbanjadoras de tulipas e mãozinhas a pegarem em nós e nós- que -nos -deixem- que - ainda agora estava em casa - floresta e já sou cria- cidadã - prestes a ser domesticada. Ao que parece, não é uma obrigação, mas a felicidade dos que nos amam torna-se muito cedo mais importante do que a nossa, incutida por medos e fantasmas e verdades desleais com o caminho que é feito para andarmos sozinhos. Muito cedo ficamos a saber que há alguém que nos conhece melhor até do que nós e que sabe muito mais do que nós que esta vida é que importa e o que se aprende está fora do corpo. 
Não me parece que adiante muito bater o pé e dizer que somos diferentes, embora o saibamos, embora o sintamos, embora nos fira tudo o que nos escapa e sabemos que devia vir ao de cima. Mas principalmente, não me parece normal que ninguém se aperceba que somos animais, acima de tudo, e que para além da identidade cultural, somos nós, somos eu, somos tu, somos vozes mudas com verdades e bilhetes de identidade impossíveis de roubar, por completo. É, que no fim e no cabo de cada um de nós, temos ideias e pensamentos que ainda nos pertencem, únicos, doentes ou sadios, selvagens, acabados de nascer e por nascer a todos os segundos. Bem-haja.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Ser Romântico


Conheci-a numa loja. Eu entrei e vi-a
Até daria uma gorja mas não tenho via
Comprei o que queria. Ela ajudou na escolha
Aproximou-se, criou clima. Parecia uma bolha

Já a conhecia. Eu já a tinha amado
Mas desta vez ela é real. Está aqui ao lado
Vê lá coméque me fica. Ela disse fica bem.
Eu gostei. Só faltas tu, como é que fica, mãe?

Eu não ligo a estas coisas. Tou mais a ouvir o som
A imaginar o video clip como isso seria bom
Temos que ir pagar. Isso deixou-me indeciso
Não quero pagar, não quero comprar, só quero ficar contigo!

Não paro de pensar em ti. Diz-me só se és feliz
Tu tornas o mundo mais belo só porque sorris
Não quero criar mistério. Só quero que me vejas
Eu sou um génio podes-me dizer o que desejas

sábado, 29 de dezembro de 2012

O amor é outra coisa


- Não te afastes, chega-te a mim, menina dos olhos tristes. Limpa o ranho e a sujidade dos lamentos que gravas na pele e deixa-me contar-te a mais bela história de desamor que já existiu. Fui eu a que amei, a que sou velha e velha fui quando jovem, querendo à força toda mostrar ao mundo que era eu a que amava, a única que tinha os ensinamentos das estrelas marcados em mim. Depois existiu ele. 
Quando o conheci, primeiro a raiva sem sentido, o sentir demasiado as coisas, a velhice a torpecer-me os sentimentos, ele sempre no caminho a trocar-me os sentidos. Ele já a saber tudo desde início, ele - aranha, eu mosca sem asas. Depois num dia, nós e o resto a desaparecer - Desaparece-me daqui que me estorvas a paz dos anjos, ai jesus que vou para o purgatório e de lá não saio mais, Vem comigo senão morro. 
Tudo o que seja romance e almas gémeas à solta, ele também a saber amar tão bem e mais ninguém no mundo, existiu. O malfeitor começou no que existiu e persistiu, mesmo sem o toque, o cheiro, o calor. Eu sempre a sonhar com anéis de noivado, os convidados de cerimónia, o mel que só ele- Tá quieto, abelha - me deleitava no nosso silêncio. A nossa dança de cisnes, o nosso desejo de ficar sempre mais perto, a minha velhice morta por amar como nunca mais ninguém na História, com uma profundidade que dor de não sermos só um, para sempre, sempre. 
E, de repente, ele a dizer-me que não, que isto era amor demais para ele, que a vida era outra coisa e as veias faziam mais sentido dentro da carne. Depois, quando eu solta, ele com as amarras todas que tinha e Tu és minha e assim serás, para sempre, sempre, Não há salvação - inferno connosco. Podes imaginar, pequenina, eu de um lado para o outro, sem balança onde me agarrar, o sangue a ficar escasso e a razão, onde é que ela anda?, um rodopio devastador, uma mendiga e ele pão para a minha boca, ele a aparecer e a desaparecer e a pedir-me sempre, para sempre e nunca, nunca nesta vida, amor demais para ele. 
Entrei em desamor comigo, corri-me da minha própria casa, fui até ao fim do mundo e afinal não havia fim do mundo que me valhesse. Pior, eu já sem saber bem se ainda aqui ou alma penada sem moedas para a barca. Já sem o querer saber. Eu, de certeza, morta, por amar demais, por não ter palavras nem memória ainda vivas que provassem que aquilo, ele, eu, existimos e morremos por sermos reais. 
- Mas isso para mim é amor, senhora. Há uma pequena linha que separa a felicidade da dor. 
- Tens mais idade do que aparentas. Mas acredita, o amor é outra coisa.