sábado, 7 de junho de 2008

Larga


Alguém que me diga onde estou. Não é para me encontrar, desengana-te, que o quero, mas sempre fui tão educada que me espanta a falta de bons dias com que me condeno. E mais não digo, que não sei o que digo quando está tudo dito.

Há muito tempo que não te conto segredos, quase desde o início, lembras-te?, quando te dizia que até gosto de ti um bocadinho depois de passarmos a tarde toda a bater na mesma tecla. Batíamos literalmente, ou quase, porque nos odiávamos a presença com a falta de toque e não sabíamos dizê-lo. Aprendi mais tarde que nós fazíamos o que normalmente se faz quando se quer arranjar desculpas para não se cair e se aprender a aprender a gostar do chão triste e xadrez, ou seja, repudiávamos a paisagem que tínhamos- e era bonita, era bonita sim senhor - e jurávamos a pés juntos que odiávamos voar - medo de morte, perigo, vida. Chegava a meter medo, sim senhor. Odiávamo-nos, lembras-te?

- Anda, conheço um atalho.
- E achas mesmo que eu vou confiar em ti?
- Claro que sim. (Acho sinceramente que um dia ainda vais escrever um livro e meio sobre mim. Se quiseres depois morres e ressuscitas e eu desapareço e só apareço de quando em vez, quando a tua vida não te der sequer migalhas daquilo que és, eu apareço para te relembrar que podias ter sido feliz. Aqui entre nós que ninguém nos ouve, a menos que o escrevas e então todo o sistema vai abaixo e revolucionas a ideia de segredo que é para ninguém ouvir, não o serias. Imaginas? Eu encontro-me contigo no carro que nos pertence, a meio caminho porque parece justo - o que nunca será - e levo-te as chaves do estúdio mais pequenino que encontrar em Lisboa.

- Com vista para o céu.

- Valha-nos isso. Levo uma mala gigante para corresponder àquilo que sempre sonhaste e vou sendo-o, pouco a pouco vou conseguindo que me vejas como aliás, me irás ver, que trago uma camisa larga que te fica a matar, nas horas mortas. Tenho sonhos com meninas e meninos iguais a ti que te vou contando em escadinha e já vou nos mil, tenho uma sede enorme de te ver a pele e fome do cheiro dos teus cabelos, saio sempre mais cedo porque não aguento mais meia-hora sem as tuas meias de vidro. Temos quadros molduras pinturas e gessos que vamos coleccionando, para que nos lembremos sempre do lema "no melhor e no pior". Temos tudo, até que tu queres mais. E tu sabes que o teu coração é fraco e não resistes ao teu fetiche cardíaco. Ataco-te quando menos esperas. Ainda assim, vais amar-me para todo o sempre. É isto o amor.

- Achas que vou conseguir sentir outra vez?) Vou-te contar um segredo. Gosto um bocadinho de ti.

Nunca mais vou conseguir escrever o que quero escrever. Tenho uma camisa larga e só ela o faz. É pena (que não haja mais borrachas neste munto. Que não voltes e está tudo dito, que eu não sei o que digo quando está tudo dito).

1 comentário:

Shadow disse...

Porque é lindo, porque tem fundamento, porque as mensagens são para se ouvir num sussuro levado pelo vento.
Porque o caos forma estrelas de luz.
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