quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Laivos de Ternura

Verde… Aquele mesmo verde que me encantou na primeira vez que te vi. Sinto falta de olhar para ele nos teus olhos.

-Tens lume?

Silêncio. Os teus olhos prendiam-me e falavam comigo.

-Desculpa mas… tens lume?

-Sim, claro. Desculpa a minha distracção! – respondi-te.

Tenho uma paixão pela voz sublime de Simone de Oliveira e tinha levado para a faculdade uma velha revista que encontrei em casa com uma entrevista da cantora. A revista era dos anos 80. Reparei que a olhavas com curiosidade, depois de teres acendido o teu cigarro.

-Encontrei-a no meu sótão. A minha mãe tem várias por causa das receitas. – disse-te, apontando para a revista.

-Só estava a tentar perceber quem está na capa.

-É a Simone de Oliveira. Vem aqui uma entrevista por causa do lançamento de um disco dela da altura. Mas, desculpa, nem te perguntei… Queres-te sentar?

-Já agora, agradeço. É interessante estares a ler um artigo tão antigo dela.

-Confesso que sou completamente fã da sua voz.

E rimo-nos os dois. Eu ri-me pelo que os teus olhos transmitiam: curiosidade. Tu riste-te porque fiz uma cara de tolo quando te confessei a minha paixão.

-Sabes… Do pouco que conheço da sua carreira, vejo-a como uma sereia. – disseste-me.

-Uma sereia?!

-Sim, uma sereia. Vai navegando pela vida com classe e graciosidade. Quando os mares estão revoltos, ela consegue dar a volta por cima de qualquer tempestade sempre com uma enorme dignidade. E depois… Depois há aqueles olhos verdes. Olhos da cor da maresia.

-Nunca tinha pensado nisso dessa forma mas, realmente, tens razão.

E depois, todos os dias te vinhas sentar na minha mesa. Convidei-te para um concerto e foste comigo.

Muito tempo passou. Um dia, foste ter comigo à praia, numa bonita tarde de Outono. Estava deserta. Apenas um casal a brincar com o filho se encontrava na praia.

-Acabou.

Silêncio.

-Vou partir para Nova Iorque. Não sei quando volto.

Silêncio. Tu ficaste ali comigo a olhar o mar. Passados uns minutos, levantaste-te e nunca mais te vi.

Pus o meu mp3 a tocar e fiquei a ver a criança brincar.

“Esta palavra saudade
Sete letras de ternura”

Que ternura olhar para aquela criança a sorrir, enquanto brincava com o seu balão amarelo.

“Sete letras de ansiedade
E outras tantas de aventura.”

De repente, a criança começa a chorar enquanto corre para os pais. O balão estava roto pois encontrava-se quase vazio.

“Esta palavra saudade
Sabe ao gosto das amoras
Cada vez que tu não vens
Cada vez que tu demoras”

Via-me espelhado naquela criança. Ele refugiava-se nos braços dos pais, eu refugiava-me naquela voz, naquela cantiga.

“Por termos sofrido tanto
É que a saudade está à vista
São sete letras de encanto
Sete letras por enquanto
Enquanto a gente for viva.”

(Jorge) Filipe Ressurreição

2 comentários:

Medusa disse...

É incrível como momentos aparentemente tão simples nos marcam tão profundamente... as pessoas especiais tem essa capacidade/poder... ;) o mais dificil é mesmo saber lidar com a saudade.
parabens pelo vosso blog...tenho acompanhado! **

Anónimo disse...

por acaso achei bué giro e de coisas especiais. eu até adoro um bocado que tu tenhas essa cena da Simone e das mulheres antigas, é bue alternativo mas sem te esforçares por seres alternativo.