sábado, 29 de dezembro de 2012

O amor é outra coisa


- Não te afastes, chega-te a mim, menina dos olhos tristes. Limpa o ranho e a sujidade dos lamentos que gravas na pele e deixa-me contar-te a mais bela história de desamor que já existiu. Fui eu a que amei, a que sou velha e velha fui quando jovem, querendo à força toda mostrar ao mundo que era eu a que amava, a única que tinha os ensinamentos das estrelas marcados em mim. Depois existiu ele. 
Quando o conheci, primeiro a raiva sem sentido, o sentir demasiado as coisas, a velhice a torpecer-me os sentimentos, ele sempre no caminho a trocar-me os sentidos. Ele já a saber tudo desde início, ele - aranha, eu mosca sem asas. Depois num dia, nós e o resto a desaparecer - Desaparece-me daqui que me estorvas a paz dos anjos, ai jesus que vou para o purgatório e de lá não saio mais, Vem comigo senão morro. 
Tudo o que seja romance e almas gémeas à solta, ele também a saber amar tão bem e mais ninguém no mundo, existiu. O malfeitor começou no que existiu e persistiu, mesmo sem o toque, o cheiro, o calor. Eu sempre a sonhar com anéis de noivado, os convidados de cerimónia, o mel que só ele- Tá quieto, abelha - me deleitava no nosso silêncio. A nossa dança de cisnes, o nosso desejo de ficar sempre mais perto, a minha velhice morta por amar como nunca mais ninguém na História, com uma profundidade que dor de não sermos só um, para sempre, sempre. 
E, de repente, ele a dizer-me que não, que isto era amor demais para ele, que a vida era outra coisa e as veias faziam mais sentido dentro da carne. Depois, quando eu solta, ele com as amarras todas que tinha e Tu és minha e assim serás, para sempre, sempre, Não há salvação - inferno connosco. Podes imaginar, pequenina, eu de um lado para o outro, sem balança onde me agarrar, o sangue a ficar escasso e a razão, onde é que ela anda?, um rodopio devastador, uma mendiga e ele pão para a minha boca, ele a aparecer e a desaparecer e a pedir-me sempre, para sempre e nunca, nunca nesta vida, amor demais para ele. 
Entrei em desamor comigo, corri-me da minha própria casa, fui até ao fim do mundo e afinal não havia fim do mundo que me valhesse. Pior, eu já sem saber bem se ainda aqui ou alma penada sem moedas para a barca. Já sem o querer saber. Eu, de certeza, morta, por amar demais, por não ter palavras nem memória ainda vivas que provassem que aquilo, ele, eu, existimos e morremos por sermos reais. 
- Mas isso para mim é amor, senhora. Há uma pequena linha que separa a felicidade da dor. 
- Tens mais idade do que aparentas. Mas acredita, o amor é outra coisa.

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