quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

oh Portugal!



O amolador de facas esteve, mais uma vez, depois de muitos anos de ausência, na minha terra. Ouvi a sua harmónica enquanto escutava uns "Verdes Anos". Que saudade me invadiu, que lágrima me correu no rosto. Posso tentar deixar de ser piegas, não escrever coisas lamechas, mas não posso deixar de ser português! Pois apesar de tudo tenho orgulho da minha nação. Não há pátria como a nossa. Não há saudade como a nossa, não há mar como o outrora nosso.

Eduardo Rilhas



" AVE-MARIAS

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba-me;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, Sampetersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos,
Embrenho-me a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinido de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!"

Cesário Verde

4 comentários:

Andreia disse...

Apesar de tudo a nossa nação será sempre a nossa nação.
E quem disse que ser Português é ser lamechas e piegas?
Escrita sentimentalista, a qual nós muitas vezes não damos o devido valor.
Gostei mais uma vez! *

Anónimo disse...

É tão bom e bonito ser português! Como é tão bom e bonito ler a tua literatura, também ela portuguesa.

Eduardo disse...

gostei...Cesario verde, poeta naturalista, um dos meus favoritos.é bom saber que tens gostos variados, e isso, meu caro amigo, faz-me ainda acreditar mais nas tuas capacidades, no teu raciocinio.
Grande abraço afilhado (a simplicidade faz parte da beleza humana, recorda-te smp disso!)

Pseudónima disse...

Aii qu'o Edu quando fica profundo, até quase m'emociona! =P

Bom gosto (apesar do Verde não ser dos meus preferidos, o poema é.. vá, bonzinho.) =) Viva a nossa pátria, acima de (quase) tudo.