terça-feira, 4 de março de 2008

Barco


Não tens noção. Não tens uma pinga de noção ou sinceridade contigo mesma. O que te corta não são as lâminas, são as frases. Odeias romances que tenham um final feliz, porque desesperaste e o mundo não mudou, por isso. Não querem saber, minha menina, para a frente é que é caminho. Seca os olhos, faz-te à vida, o Destino marca a hora.

Não estou cega, é importante de memorizar. Não estou cega, não estou cega. Nem surda, nem limitada. Mas a vida seria bonita senão houvessem equívocos nem enchentes de conselhos. Gente a mostrar a bandeira branca para que passe e viaje com a Companhia Seja-Feliz-a-Voar, gente a puxar-me as saias para que caia agora, enquanto ainda há tempo ; enquanto ainda não gosto - e gosto muito e não sei explicá-lo ou fazer ver; enquanto ainda não estou cega, estou fora de mim e faço uma loucura todos dias (daquelas pequeninas, que não valem sequer).

A noite vai bonita e depressa, de vestido branco e batom vermelho. Engate, pela certa. O agora é passado e tu não estás; é o ar que se decreta insuficiente para os dois, ao que parece. Hoje queria dizer-te uma coisa, mas as palavras estão gastas. Quando se sente, as coisas ficam sempre para amanhã- depois, pode ser?

Não estou cega. Fica a promessa: os meus dias vão ser bem mais longos, que os sonhos não têm, definitivamente, o baralho todo e depois dizem que somos nós os culpados. Apontar o dedo é tão fácil.


(Fotografia de Eduardo Coreixo)

"Não fazem falta nenhuma. Como é possível perder-se tempo com estas merdas? Mulher má, mulher amada, anjos irrelevantes."



in O amor é fodido, por Miguel Esteves Cardoso

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