sexta-feira, 28 de março de 2008

À(h)



Flor da pele, que a idade não me desculpa e os sapatos- os sapatos, números abaixo. Já não sei que sonhe, que sonhos, que realidade, que despertador que não toca ou que não oiço. Pernas num extravaso de sensualidade que não é minha, mas que não roubei. Levo sempre emprestado, dizia-me o ladrão. Gatuno! Lição aprendida. Pontos de interrogação que ficam só bem noutras mãos, porque em mim, pontos finais. Quanto muito, vírgulas, mas sem dúvidas, pontos finais. Sardas, lentes, aparelhos nos dentes, cicatrizes. Câmaras de gás; não sei respirar sem suspiros. Abrir lento, boca- pêssego e uns olhos vazios na montra. Eu, sem mais. Não sou a culpada.


Um estro de nada ser e ser aplaudida. Só para fazer o favor, que seja, apesar do medo. Anti- medo do escuro. Entro dúctil e saio porcelânica. Não há grandes novidades, sem ser as que já se sabem. Sou anti qualquer coisa. Anti sem -número de coisas. E a coisa da vida interessa-me, porque coisa é tanta coisa. É a palavra mais sonhadora que há, mas isso já é outra coisa. E os sapatos - os sapatos, números abaixo.


Tenho cinco paredes e um medo enorme de sair da cama. O chão pode ser mar a qualquer momento- foi o que eu disse, eu não sei nadar, nem respirar sem suspiros. Os meus melhores conselhos vão para o cofre dos demónios antigos. Porque, meu querido, só o errar nos mantém vivos.


Então eu hoje visualizo : uma casa cheia, em vez de casa vazia. Copos partidos, em vez de cacos cheios. Garrafas, em vez de vazias, vazias. Uma declaração e um bouquet sem flores. Gosto de ti, sou caprichosa; quero que me tomes sem que perguntes pelos glícidos ou estricnina. Porque hoje sou um peixe fugu e visualizo, como se faz com as coisas : o veneno a nunca mais faltar, todos os dias, na hora da visita. Eu a repetir-me, que recomece o fim do mundo e que eu tenha sorte; mas desta vez, sentido, uma coisa com alma.
Sou uma coisa com alma. Sem mais. Declaro-me inocente de todos os males. Sou cúmplice. Mas tenho a alma comigo. Descalço-me, porque os sapatos - os sapatos nunca me serviram, mesmo.


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