quarta-feira, 30 de abril de 2008

Amo-a porque tem Alma




Devolvam-me a casa de bonecas.


Na minha antiga casa, na minha antiga rua, morava um cheiro de antigo mesmo quando ainda era novo que é impossível de não encontrar por mim abaixo. Tinha vizinhos que me davam sorrisos e rebuçados, tinha avisos de não dar a mão a estranhos, tinha estrelinhas que olhavam por mim e tinha um irmão que brincava comigo a todas as horas e que toda a gente menos eu tinha a certeza de ter morrido. Tinha brinquedos e uma infância feliz, daí ainda hoje dar tanta importância a beijos e abraços.


Na minha antiga rua morava um senhor carpinteiro e a sua mulher. Sempre soube que escreveria sobre eles, só não sabia o quando. Nunca pensei que fosse agora.
Tínhamos o senhor Silvestre e a sua mulher, que, não me lembrando do nome, apelido-a agora de Amora, para dar mais consistência à minha história. Na minha antiga rua eles eram anciãos e amavam-se e para mim não existia outra forma de amor que não aquela. O dos anjos sem sexo, o da dor amarga dos sem filhos repartida por dois, para ser menos. Dor que não era menos, que era imensa. Eu era uma neta de um amor e de uma amora que me deram uma casa de bonecas de madeira envernizada e mobílias bordadas e brancas. Eu preferia as ciências, até encontrar as Artes. Hoje penso que muito se deve aos meus avós de brincar sem família descendente. Está dito, está dito.


Eu tinha um quarto com uma pequena janela encobrida por cortinas azuis e cor-de-sonho. Eu tenho uma Lady, que se perdia nos meus brinquedos e não estragava nem um. Primeiro, era mais uma bonequinha de passinhos pequeninos. Depois o meu irmão desapareceu. Eu cresci e tornou-se uma irmã muda, uma parte de mim loira e sedenta de vida e mais vida, igual a vida que me deu a mim. A minha Lady. Cancro. Devolvam-me a casa de bonecas, por favor...
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