terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Não quero crescer.



Imagino-te criança, a discutir com a tua mãe que nunca vais crescer, não queres, prometes, isso é só para os adultos, claro. Imagino a primeira crosta tua que observaste, escrevendo no bloco de notas oferecido pelo teu tio cancerígeno: "As feridas saram". Quase te nomearam para nobel científico, mas "os cientistas são deuses e eu não sou nada", respondeste-lhes. Aplausos, quem fala assim nunca vai sentir. Aplausos. Um Nobel quando fizeres dezoito anos. No dia em que, ao mesmo tempo, eu descobri a expressão "chorar as pedras da calçada". Achei que era a coisa mais inocente e cruel que havia, aquela expressão. No mesmo dia em que descobri, sozinha e contigo, que as feridas saram.


Imaginação fértil , tenho eu ao imaginar-te, de tanto que penso ser o meu passatempo mais vício igual a ressaca. Maligno ou pelo bem.


Imagino o primeiro corte que fizeste ao cortar a cara, por insistires e jurares a pés juntos, importante, que o que tinhas era só barba a nascer, já eras um adulto, afinal. Foi a tua mãe que te mimou as cicatrizes, enquanto escrevias a segunda linha : "Os cortes saram".


Batatas quentes que te enfureciam, numa meninice pegada. Gelados a derreterem na mão, porque o que era urgente era falar, dizer tudo, contar os pormenores dos beijos escondidos que davas ás meninas dos baloiços. Só porque estavas mesmo a jeito e elas baloiçavam para a tua boca, com a força perfeita, necessária.


Depois houve a menina que tinha estrelas desenhadas nos olhos e pintalgadas na cara. "Ela é diferente, mamã, não sei explicar; é diferente. Imagina e tudo". A menina que te arrancou o coração quando deixou o baloiço. Que lhe faltou a força e a vontade. Cor de cal na pele e unhas partidas a toda a hora. Olhos ausentes sem aviso de regresso. Uma janela que embaciaste todas as tardes, porque tinhas a impressão de que ela havia lá digitado o sol, antes de se conhecerem. Adeus ao Nobel quando fizeres dezoito anos.


Tornaste-te disléxico, apontando o dedo aos daltónicos. Cegaste no final da tua terceira frase "O amor é ferida, é corte, é crosta, mas não sara." Adeus ao Nobel.


És doente e não te importas. Apetecem-te sardas hoje, pelo jantar.

3 comentários:

Anónimo disse...

já por duas manhãs consecutivas que me pões um sorriso rameloso na cara, quando deveria ter acordado bem mal disposto.

beijinho, keep it up.

Anónimo disse...

ah, e concordo quando o rapaz n quer crescer

Anónimo disse...

concordo = eu também não queria