segunda-feira, 19 de maio de 2008

Hora do Conto


Era uma vez uma rapariga que tinha apetites do ser contra, desejos noctívagos de limpar o pó e o sótão e de pintar as paredes de vermelho e ansiedades de vertigens que não a deixavam dormir. Era uma vez um rapaz hipocondríaco que conhecia tão bem os sintomas da vida que a apontava como o cataclismo de todas as faltas e angústias que faziam parte de si. Mas principalmente, era uma vez um livro.

Eu explico. Esta rapariga não falava, este rapaz não ouvia. Até se verem, ela andava sempre com o seu livro preferido pousado na mão e fixo nos seus olhos. Tanta vez o lera que pensava não conseguir dizer outras palavras que não aquelas, se algum dia viesse a falar. Ele, ele só ouvia as palavras do seu Cinema mudo. E ela começou a aparecer na sala vazia, repleta dos ecos que ali não se ouviam e que não lhe perguntavam nada. Se perguntassem ao livro, também ele gostava de lá ir. O silêncio das palavras.

Houve um dia em que se sentaram lado a lado, ele e ela, sentaram-se tão perto da tela como se lá quisessem entrar. Viram um melodrama daqueles que puxam para o romance. Então ela sussurrou: Cheiras bem. Ele sorriu. Ela disse: tens olhos bons. Ele compreendeu. Ela perguntou : posso ver-te outra vez? E ele olhou para ela. Olhou, como quem diz ver, num único sentido de a beijar, porque ainda não a tinha visto e achava- o impossível. Ela embaraçou-se e foi-se embora. Deixou o livro.

Então, enquanto as paredes ficaram vermelhas e o calendário nocturno custou mais a passar por ela, ele leu cada palavra que ela tinha para dizer. A história de uma menina muda que coleccionava ímans de frigorífico, dava beijinhos de borboleta, acreditava em happy endings e tinha desejos noctívagos que não a deixavam dormir.

O corpo dele nunca mais teve um dia sem temores nem tremores: sem ela, foi o ar pequenino, foi o chão incerto e felino, foi a terra uma constante tontura de 50º à sombra. Ela aparecia sempre às terças e quintas à procura dele, do livro, ele às quartas, por ser o dia de folga da menina do livro.

Quando ele desistiu, o livro continuou lá. E quando ela o encontrou e chorou de alegria e de tristeza como bem sabe o coração, encontrou letras sublinhadas a encarnado, dispersamente ao longo do livro. O peito dela pulou, fez a festa, lançou os foguetes e sentiu-se feliz. Quando foi a vez de ler o livro pela infinita segunda vez, descobriu uma pessoa nova nas entrelinhas. Deitou-se feliz e o livro também.

"O..Lá. Tens a pele mais suave que tocarei, o cheiro de madeira quente em alto- mar, as ondas mais perfeitas nos teus cabelos e o triângulo das bermudas perto da água dos olhos. Eu tenho a mania das doenças, das alergias, das comichões e males internos. Não sei ouvir, mas nunca ouvi nada tão lindo como o que me dizes. É assim.És a melhor doença que alguma vez já tive. "
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Palavras - chave :
luar, pavio, Destino

2 comentários:

Pseudónima disse...

É, Cláudia, eu acho que tu mereces comentários, mais não seja para te dizerem que está um grand'a badum. É.

Beijinhos com língua xD

Anónimo disse...

E depois de falecer com o comentário anterior (sim, porque quem quer que seja essa gaja, não percebe nada de literatura xD), venho deixar o meu apreço por mais umas linhas de grande escrita. Adoro o conto, quem disse que não tens jeito para contar histórias?
És grande,e é sempre um prazer ler algo teu.

Beijinhos (sem língua xD mais não seja porque entre Cláudia e Cláudia não se mete a colher)

T'adore***